TDAH em Foco: Da Visibilidade no TikTok aos Desafios Reais no Brasil
Se você navega pelas redes sociais, especialmente o TikTok, ou acompanha o noticiário, é impossível não notar: o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) está em toda parte.
TDAH
Greice Souzza
11/17/20256 min read


Vídeos virais, relatos pessoais, memes e discussões sobre sintomas inundam nossas timelines diariamente. Mas o que essa explosão de visibilidade realmente significa para quem vive com TDAH? E quais são os riscos dessa popularização desenfreada?
Essa explosão de visibilidade é uma faca de dois gumes. Como defensores da neurodiversidade e da inclusão, celebramos o fato de que o estigma está diminuindo e que mais pessoas estão buscando compreender suas próprias experiências. No entanto, o "boom" de informações também traz riscos significativos, como o autodiagnóstico precipitado e a banalização de uma condição clínica séria.
As notícias das últimas 24 horas pintam um retrato claro dessa dualidade: de um lado, o Brasil enfrenta uma crise de subnotificação; do outro, o mundo digital lida com uma onda de desinformação que pode fazer mais mal do que bem.
A Realidade Brasileira: Subnotificação e Custo Social
No Brasil, os dados são alarmantes. Estima-se que mais de 4 milhões de adultos convivam com os sintomas do TDAH, muitos deles sem diagnóstico formal. Isso não é apenas uma estatística fria em um relatório governamental; representa milhões de pessoas enfrentando desafios diários na vida profissional e pessoal, muitas vezes sem entender a origem de suas dificuldades.
Imagine acordar todos os dias sentindo que seu cérebro está constantemente em modo "multitarefa forçada", mas sem conseguir concluir nenhuma das tarefas. Imagine ser rotulado como "preguiçoso", "desorganizado" ou "desmotivado" quando, na verdade, você está lidando com uma condição neurobiológica que afeta sua capacidade de regular atenção, impulsos e emoções. Esse é o dia a dia de milhões de brasileiros que vivem com TDAH não diagnosticado.
O custo social dessa subnotificação é altíssimo. Pessoas com TDAH não tratado enfrentam taxas mais altas de desemprego, abandono escolar, acidentes de trânsito, problemas de relacionamento e até mesmo envolvimento com o sistema de justiça criminal. A falta de diagnóstico e tratamento adequado não é apenas uma questão de saúde individual; é uma questão de saúde pública e justiça social.
A boa notícia é que o reconhecimento está crescendo. O Sistema Único de Saúde (SUS), através da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), está estruturado para oferecer atendimento multidisciplinar a pessoas com TDAH. O aumento no número de diagnósticos nos últimos anos reflete uma sociedade mais acolhedora e serviços de saúde mais atentos às necessidades da população neurodivergente.
Além disso, avanços legislativos importantes estão acontecendo. A garantia de tempo adicional em concursos públicos para pessoas com TDAH é um exemplo concreto de como a legislação brasileira está começando a reconhecer as necessidades específicas dessa população. Essas mudanças são fundamentais para promover a equidade de oportunidades e permitir que pessoas com TDAH demonstrem seu verdadeiro potencial.
O Perigo do "Dr. TikTok"
Enquanto o Brasil luta contra a subnotificação, o cenário internacional — e também o nacional, impulsionado pelas redes sociais — enfrenta o problema oposto: o excesso de informação, muitas vezes enganosa e superficial.
A popularização do TDAH no TikTok gerou uma onda massiva de autodiagnósticos. Vídeos curtos de 30 segundos listando sintomas genéricos como "você se distrai facilmente?", "tem dificuldade para terminar tarefas?" ou "procrastina muito?" podem fazer com que praticamente qualquer pessoa se identifique, levando a conclusões precipitadas e potencialmente perigosas.
O problema não é falar sobre TDAH nas redes sociais. Pelo contrário, a conscientização é fundamental. O problema é quando essa conscientização se transforma em simplificação excessiva de uma condição complexa, levando pessoas a acreditarem que podem diagnosticar a si mesmas com base em vídeos virais.
O perigo real aqui é duplo:
1. Diagnósticos Equivocados
Pessoas que não têm TDAH podem acreditar que têm, enquanto outras condições — como ansiedade, depressão, transtorno bipolar, autismo ou até mesmo problemas de tireoide — deixam de ser identificadas e tratadas corretamente. Os sintomas do TDAH se sobrepõem a muitas outras condições, e apenas um profissional qualificado pode fazer a diferenciação adequada através de uma avaliação clínica completa.
2. Uso Indevido de Medicação
A busca por medicamentos controlados, como Ritalina (metilfenidato) e Adderall (anfetamina), sem prescrição e acompanhamento médico adequado, é um risco grave à saúde pública. Esses medicamentos são estimulantes do sistema nervoso central e podem causar efeitos colaterais sérios, incluindo problemas cardíacos, dependência, insônia, perda de apetite e alterações de humor. Usar medicação psicotrópica sem orientação médica é perigoso e pode agravar problemas de saúde mental ao invés de resolvê-los.
Além disso, a romantização do TDAH nas redes sociais — apresentando-o como um "superpoder" ou uma característica de personalidade "fofa" — minimiza o sofrimento real de quem convive com a condição. TDAH não é charme, não é desculpa, não é tendência. É uma condição neurobiológica que pode ser profundamente incapacitante quando não tratada adequadamente.
O Caminho do Meio: Consciência com Responsabilidade
O TDAH não é uma tendência passageira. É uma condição neurobiológica complexa, muitas vezes acompanhada de comorbidades como ansiedade, depressão, transtorno opositor desafiador (TOD) e dificuldades de aprendizagem. Estudos científicos robustos demonstram que o TDAH tem base genética e está associado a diferenças estruturais e funcionais no cérebro, particularmente nas áreas responsáveis pela regulação da atenção, controle de impulsos e funções executivas.
O tratamento do TDAH, que envolve terapia multidisciplinar (psicoterapia, terapia ocupacional, coaching) e, em muitos casos, medicação, não "cura" o TDAH — porque não há nada a ser curado. O objetivo do tratamento é fornecer ferramentas e suporte para que a pessoa possa gerenciar seus sintomas e melhorar drasticamente sua qualidade de vida, alcançando seu potencial máximo.
O que as notícias recentes e a movimentação nas redes sociais nos ensinam é que precisamos encontrar um equilíbrio. A visibilidade é fundamental para a inclusão e para que milhões de brasileiros finalmente recebam o diagnóstico correto e o apoio de que precisam. Quanto mais falarmos sobre TDAH de forma responsável, mais pessoas terão coragem de buscar ajuda profissional.
Contudo, essa visibilidade deve ser acompanhada de responsabilidade. Devemos combater a desinformação, valorizar o diagnóstico clínico criterioso realizado por profissionais qualificados e evitar a banalização. O TDAH não é um "jeito de ser" ou uma desculpa para procrastinação; é um desafio real que merece respeito, acolhimento e tratamento adequado.
O Que Você Pode Fazer
Se você se identificou com os sintomas do TDAH ao ler este artigo ou ao assistir vídeos nas redes sociais, não se autodiagnostique. Procure um profissional de saúde mental qualificado — psiquiatra, neurologista ou psicólogo especializado em TDAH — para uma avaliação completa.
Se você já tem diagnóstico de TDAH, saiba que você não está sozinho. Existem recursos, tratamentos eficazes e uma comunidade crescente de pessoas neurodivergentes que compartilham suas experiências e se apoiam mutuamente.
Se você é um criador de conteúdo ou influenciador digital, tenha responsabilidade ao falar sobre saúde mental. Incentive seus seguidores a buscarem ajuda profissional ao invés de se autodiagnosticarem. Compartilhe informações baseadas em evidências científicas e sempre cite suas fontes.
E se você conhece alguém com TDAH, seja empático e compreensivo. Entenda que os desafios são reais, que não se trata de falta de esforço ou preguiça, e que o apoio de amigos e familiares faz toda a diferença.
Conclusão
O TDAH está em foco, e isso é positivo. Mas precisamos garantir que essa visibilidade se traduza em ações concretas: mais acesso a diagnóstico e tratamento no SUS, mais políticas públicas de inclusão, mais conscientização baseada em ciência e menos desinformação nas redes sociais.
A jornada rumo a uma sociedade verdadeiramente inclusiva para pessoas neurodivergentes é longa, mas cada passo conta. E esse passo começa com informação de qualidade, empatia e responsabilidade coletiva.
Vamos falar sobre TDAH, mas vamos falar com seriedade.
Fontes e Referências
Este artigo foi baseado em informações de fontes confiáveis, incluindo:
CNN Brasil
Veja
Folha de S.Paulo
G1
Ministério da Saúde
Portal "TDAH Levado a Sério"
Para mais informações sobre TDAH, consulte:
Associação Brasileira do Déficit de Atenção (ABDA): www.tdah.org.br
Ministério da Saúde - Rede de Atenção Psicossocial: Procure a unidade de saúde mais próxima
Direito de Ser - Consultoria Jurídica Especializada: Orientação sobre direitos de pessoas neurodivergentes
Sobre o Direito de Ser
O Direito de Ser é uma consultoria jurídica especializada em direitos de pessoas neurodivergentes com TEA e TDAH. Oferecemos orientação clara e acessível sobre direitos educacionais, benefícios sociais, inclusão no trabalho e proteção legal. Nossa missão é melhorar a qualidade de vida das pessoas neurodivergentes através do conhecimento e afirmação de direitos.
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